A greve dos sete anos

Em 14 de maio de 1962, sem resposta do patrão, as quatro empresas da Família Abdalla entram em greve, junto ao acordo de que ninguém voltaria ao trabalho até que todos os pedidos fossem atendidos. Mas, ao passar de 32 dias, todos aqueles que estavam de comum acordo, voltaram ao trabalho, exceto os queixadas da Perus. Com isso, o grupo peruense se organiza e passa a pedir a desapropriação da fábrica, pelo não cumprimento de acordos trabalhistas estabelecidos com a gestão em 1959 e 1960.

No dia sete de agosto de 1962, o jornal O Estado de S. Paulo publicou o parecer de juristas a favor da desapropriação ao lado de um manifesto dos sindicalistas intitulado As razões da justa greve da Perus, que trazia reinvindicações como: o pagamento de 5% do salário, que estava retido desde 1960 (dinheiro que era para o loteamento de casas de operários, no total de 17 milhões da moeda da época); pagamento do prêmio coletivo acordado em 1961, pagamento de 10% da taxa de insalubridade; registro de 100 trabalhadores que trabalhavam nos eucaliptos, contratação de nova mão-de-obra, pagamento de horas de espera pelo pagamento e antecipação de 20% do salários dos trabalhadores da indústria Carioca.

Com o auxilio da deputada Conceição da Costa Neves, líder trabalhista na Assembleia Legislativa, na qual Abdalla era presidente, o Mau Patrão começou uma campanha contra os queixadas. Acusando-os de comunistas, Conceição afirmava que os sindicalistas estavam impedindo os “trabalhadores honestos” de voltar ao emprego.

Com a promessa da antecipação de 30% do salário a todos os trabalhadores que furassem a greve, no dia 21 de agosto do mesmo ano cem ex-grevistas, junto a outros trabalhadores trazidos por Abdalla, entraram na fábrica de cimento e “estouraram”(pararam) a greve.

Quando a grande greve começou não só a Fabrica de Cimento Portland Perus, como outras três fábricas do grupo Abdalla – Usina Miranda (Pirajuí/SP), Tecelagem Japy (Jundiaí/SP), Fábrica de Papel Carioca (Jundiaí/SP) e Copase (Companhia Paulista de Celulose, em Cajamar/SP) – paralisaram seus serviços, totalizando 3.500 trabalhadores insatisfeitos com as condições de trabalho. Juntos, enviaram um ofício a Abdalla reivindicando melhores condições trabalhistas.

E depois de quatro meses do início da greve, foi acordado em assembleia que os trabalhadores deveriam tirar uma nova carteira de trabalho – a primeira estava presa na justiça – e procurar outros empregos, até que a questão fosse resolvida judicialmente.

Com o passar dos anos, a greve também foi tomando outras formas. As piquetes praticamente acabaram. Os protestos, agora, eram passeatas. As assembleias, a melhor forma de manter a constância dos encontros. Se o queixada não podia ir por causa do emprego, ia a mulher com os filhos nos braços, faz questão de pontuar Tião, reafirmando a importância das mulheres nessa tão longa greve.

E por sete anos houveram assembleias quase semanais, e muitos altos e baixos. Certa vez a fábrica quase foi encampada pelo governador Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto. Mas, no fim não deu em nada e a luta continuou.

Abdalla fecha o cerco

Abdalla também interveio com o comércio local para que não vendessem mais aos grevistas. Naquele tempo, os comerciantes de Perus não usavam sequer máquina de registro. E, claro, que entre tantos fregueses, muitos destes também eram da fábrica de cimento.

Os comerciantes sempre foram os grandes cabos eleitorais de Abdalla. Não todos. Sempre há os Cirineus nos momentos difíceis. (JESUS, Mario in 40 anos de luta sindical).

Foi o início de tempos difíceis em Perus. De um lado, os queixadas, lutando por seus direitos a todo custo e com toda razão. De outro, uma população que vivia direta e indiretamente do pó de cimento, que movimentava e aquecia não só os fornos da fábrica, mas a economia do próprio local.

Antes dos queixadas se reestabeleceram, muita gente passou necessidade pra valer, teve gente que chegou a se matar.

Para driblar o cerco de fome, os queixadas receberam doações de toda São Paulo e de outros estados.

Recebiam mantimentos dos governadores do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola e de Ney Braga, do Paraná e também o apoio de D. Aniger Melilo, bispo de Piracicaba, que publicou um apelo no jornal Última Hora, em 28 de julho de 1972.

Nessa época uma foto muito conhecida entre os moradores do bairro de Perus: de uma fila de pães. Sabendo da restrição conduzida por Abdalla, o proprietário de uma padaria do bairro emprestou o forno a dois queixadas padeiros, que alimentava a família dos trabalhadores grevistas.

Receosos com a demora da Justiça do Trabalho, os queixadas pensaram que o poder Executivo poderia intervir com a desapropriação da Perus. Houve ampla divulgação, com apoio popular e de universitários. (peguei do projeto)

A greve recebeu, novamente, apoio da população e da mídia. Com a aproximação da data do julgamento, que decidiria se receberiam ou não os direitos trabalhistas, os queixadas realizaram entre o natal e o ano novo de 1962 para 1963 uma greve de fome no Largo São Francisco, centro de São Paulo.

Com situação cada vez pior, em 1963 os queixadas começaram a procurar novos meios de sustento. Mesmo empregados em novos lugares, o grupo continuou com a luta. Em 31 de março de 1964, o sindicato sofreu intervenção militar. Mario, Breno e outros dirigentes foram presos e interrogados e o advogado foi afastado do sindicato. Mas mesmo fora do sindicado, Mario continuou defendendo as reivindicações queixadas.

O defensor jurídico relatou posteriormente que, durante a ditadura militar, ficou mais difícil o contato coletivo com os queixadas que sofriam inquéritos e eram tido como criminosos.

Em 1965, 501 queixadas estáveis, que possuíam mais de dez anos de casa quando a greve começou, entraram com um novo processo trabalhista. Os grevistas perderam o julgamento na Junta de Conciliação por 2 a 1. No segundo julgamento pela mesma causa no Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, a causa também foi perdida. Dessa vez, com quatro favoráveis, quatro contra e o voto do presidente contra os queixadas. Este segundo julgamento foi cancelado e, então, levado ao Rio de Janeiro.

Depois de quase dois anos parado na justiça, o processo voltou a ser julgado em São Paulo, em 1967. Para o novo julgamento, o advogado Jesus elaborou e distribuiu dez mil exemplares do memorando de 164 páginas chamado de “A Greve de Perus nos Tribunais”.

Com a divulgação do material e a constante persistência dos queixadas, o processo que envolvia os trabalhadores estáveis foi ganho, dando a eles o direito de voltar à fábrica.

A direção foi obrigada a indenizar todos os 501 trabalhadores e teve que pagar os salários com reajustes, juros e correção monetária “O revisor do processo, reexaminando os autos (6 volumes), modificou o seu voto e permitiu que o julgamento fosse modificado: os trabalhadores estáveis passavam a ter o direito de voltar ao serviço da Perus”* lembra Jesus. Os trabalhadores também ganharam no Tribunal Superior do Trabalho (TST), onde o caso foi apreciado onze vezes.

Novas lutas dentro da luta

Em 1965 um novo presidente, pelego, é eleito no sindicato, depois do afastamento do ex-presidente João Breno e do advogado Mario. Com pouca credibilidade entre os trabalhadores, em agosto de 1965 Mario volta a trabalhar para o sindicato. Nesse ano, Abdalla continuou a atrasar os salários de pelegos e pescoços, as constantes violações do Mau patrão foram denunciadas nos jornais e pelo próprio delegado de trabalho.  No mesmo período, pelegos e pescoços organizavam greve contra Abdalla por conta de salários atrasados.

Em resposta, Abdalla cortou a luz das casas dos operários que haviam participado da greve, mas que ainda ocupavam moradias da fábrica e entrou com ações de despejo contra eles. A investida é sem sucesso, o poder determinou o restabelecimento da energia. Insatisfeito, o empregador solicitou à Light o corte da eletricidade da própria fábrica e das pedreiras em Cajamar. Mas, com má repercussão do caso pela imprensa, Abdalla desiste do corte. O despejo foi bloqueado pela justiça.

O fim da greve dos sete anos

Em janeiro de 1969, com os resultados positivos nos tribunais, os 501 estáveis ganham o direito a indenização e de voltar ao trabalho. Porém, só 309 voltaram às suas atividades.  A greve, no entanto, não foi totalmente ganha. Os queixadas não estáveis não obtiveram direitos nem do benefício nem da volta. Em 1969, por fim saí o resultado da greve, dando ganho de causa apenas aos 501 estáveis, e portando deixando ele e mais em torno de 400 trabalhadores de fora.

Mas a luta ainda não havia acabado. O Mau-patrão não tinha previsão para os pagamentos. Para isso, o sindicato apresentou algumas soluções, entre elas, que o pagamento das indenizações poderia ser realizado com o aumento da produção da fábrica.

O problema com Abdalla não era unicamente com os trabalhadores de Perus e Cajamar: Abdalla também era investigado pelo governo, pela gestão fraudulenta da Usina Miranda (empresa do grupo que teve falência decretada em 4 de abril de 1967) e era mantido vigiado pelo governo, como é possível ver nos prontuários do DOPS *52Z-0-1758, 52Z-9-6265 e 52Z-9-6266*.

As fraudes da família Abdalla prejudicava não só os queixadas, mas a própria União, tanto que em maio de 1973 o Ministério Público Federal apresentou denúncia contra todos os responsáveis pelo Grupo Abdalla, por crimes previstos nos artigos 199 e 203 do Código Penal. Em julho de 1973, o Governo Médici confisca os bens da Companhia. Com todas os processos e confiscos, a empresa decreta falência no mesmo ano.

Em outubro de 1974, quase cinco anos após o fim da greve, o pagamento dos grevistas referente à paralisação dos sete anos, foi finalmente decretado. Mas com a falência da fábrica, quem pagou os salários foi a União e não o Grupo Abdalla. O Governo depositou, em novembro de 1975, mais de 18 milhões de cruzeiros para pagar os salários dos queixadas.

Unidos até o fim, os sindicalistas ganhadores decidiram: 10% da quantia seria doada aos que não eram estáveis, que não ganharam o direito de receber o dinheiro. Sob a luz de velas, o sindicato ainda estava sob intervenção, os trabalhadores receberam, enfiem, os dias trabalhados.

(Texto retirado do livro “Queixadas – por trás dos sete anos de greve, escrito por Jéssica Moreira e Larissa Gould).

Fonte: Movimento pela Reapropriação da Fábrica de Cimento de Perus

 

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