A “Queixadas Parade” é uma intervenção artística realizada em Perus (SP) composta por esculturas de porcos queixadas customizados por artistas plásticos locais para celebrar os 60 anos da Greve dos Queixadas, a mais longa do Brasil.
Já imaginou ver a história do seu bairro contada por placas de ruas ou, então, esculturas distribuídas em cada esquina?
É exatamente isso que moradores e moradoras do bairro de Perus, na região noroeste de da São Paulo (SP), estão fazendo para celebrar os 60 anos da maior greve do Brasil ocorrida no local, a Greve dos Queixadas, nome dado aos operários sindicalistas da Companhia de Cimento Portland Perus por fazer alusão ao porco selvagem queixada que sempre anda em bando.
Lançada no dia 13 de maio na Comunidade Cultural Quilombaque, a “Queixadas Parade” é uma intervenção artística composta sete por esculturas de fibra de vidro de porcos-queixadas, com 1m25 de altura e 1m80 de largura, todos customizados por artistas plásticos locais a partir de marcos históricos da região.
A ação é da Quilombaque junto à Agência Queixadas, lançada também em maio e que realiza turismo de resistência por meio de trilhas sobre as histórias de luta do local.
“Esse projeto foi pensado em 2010, quando começamos a fazer trilhas da memória entrando na fábrica de cimento. Nós, que somos da periferia, não temos nem um museu ou galeria de arte, muito menos estátua ou escultura que represente o nosso povo. Discutimos memória coletiva na escola a partir de heróis fascistas. Queremos recontar nossa história”, diz o idealizador do projeto, Clébio Ferreira (Dedê), gestor da Quilombaque.
Para a moradora e artista visual Marina Lima, que materializou a ideia da exposição, o trabalho foi um jeito de mostrar a dimensão dos próprios Queixadas em Perus. “O nosso bairro produz artistas com muita potência. Unir todos ali, em uma só sala, era como se estivéssemos evocando uma força divina ancestral, uma força que conta a nossa própria história pela nossa voz”.
Por trás dos 7 anos de Greve
No dia 14 de maio de 1962, o bairro de Perus amanheceu diferente. Desde a inauguração da fábrica, em 1924, os fornos de cimento nunca haviam parado. Naquele dia, cerca de 3.500 operários unidos a outras fábricas do mesmo grupo, começaram aquela que se tornaria a mais longa paralisação trabalhista do país.
Entre as reivindicações, estava a recuperação de direitos, como devolução de verba para casa própria dos trabalhadores, pagamento de taxa de insalubridade e recebimento de bônus coletivo quando a produção fosse acima da meta, como mostra o verbete da Peruspédia, criada pelo Centro de Memórias Queixada (CQM).
O Sindicato dos Queixadas foi um dos primeiros locais a sofrer intervenção em 31 de março, diante do golpe de Estado que resultou na Ditadura Civil-Militar no país. O advogado Mário Carvalho de Jesus e o presidente do sindicato, João Breno, chegaram a ser presos. Ao longo do tempo, foram várias as estratégias de luta.
Quando o cerco da ditadura fechava e não havia possibilidades de fazer piquetes, os trabalhadores realizavam assembleias semanalmente no sindicato e também tentavam reivindicar seus direitos por meio dos processos jurídicos. Em 1969, 501 trabalhadores receberam os salários retroativos aos sete anos de paralisação e em janeiro de 1969, 309 voltaram para a fábrica, mas apenas em 1974 eles foram finalmente pagos.
Encontre os porcos queixadas em Perus
Cada queixada foi adornado a partir de uma temática social que reflete a realidade do bairro, como os Povos Indígenas, Movimento Queixada, Movimento Negro, Movimento MST, Meio Ambiente, Movimento de Moradia e Vala Comum do Cemitério Dom Bosco.
Na primeira rodada da exposição, as esculturas estarão no calçadão da estação de Perus da CPTM (no sentido Av. Dr Silvio de Campos), na Praça Luis Neri (região central do bairro), na Avenida Dr. Silvio de Campos, nº 33 e na Rua Sales Gomes, 418, na Vila Perus.
Com a imagem de uma menina indígena, Dinas Miguel retratou a terra indígena do Jaraguá, onde há cinco tekoas (aldeias) dos povos indígenas guarani-mbya.
Janice Albuquerque e Cleiton Ferreira, gestores da Quilombaque, trouxeram a reivindicação pela terra e contra os agrotóxicos, com um porco vestindo o boné do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e representando o Assentamento Irmã Alberta.
Dedê Ferreira e Marina Lima, idealizador e curadora da mostra respectivamente, pintaram um queixada que representa os desafios ambientais presentes no território, como as enchentes e a destruição do solo e dos rios, com plantas de verdade na parte superior da escultura.
O artista Bonga MAC representou a Vala Clandestina Comum, onde foram encontradas mais de 1049 ossadas de pessoas vítimas da ditadura, como estudantes, militantes ou, então, pessoas mortas pelos esquadrões da morte ou pela epidemia de meningite.
O artista Darf retratou o próprio Movimento Queixada. Thiago Consp, artista e neto de um dos trabalhadores queixada, trouxe a luta do movimento negro. E Danilo Guetus, grafiteiro responsável pelo projeto Perusferia Grafitti, adornou uma escultura com a temática moradia.
Reemplacando a memória
Para essa memória continuar bem viva entre os moradores do bairro, no dia 13 de maio também foram apresentadas 30 placas de rua com nomes de homens e mulheres que empreenderam a greve.
“Tião Queixada”, “João Breno”, “Izaltina Leme”, “Aparecida” são algumas das personalidades encontradas pelo Centro de Memória Queixadas (CQM) que trabalharam na fábrica ou participaram das lutas durante a greve dos sete anos. Eles terão sua memória lembrada nas principais ruas e avenidas do bairro na ação (Re)Emplaca Memória.
A ação, idealizada pela Quilombaque, Agência Queixsdas, com o apoio de Centro de Memória Queixadas nas pesquisas, parte de um longo caminho de pesquisa que já vem sendo realizado desde 2018, com a criação do centro.
Sheila Moreira, jornalista, integrante do centro de memória e neta do trabalhador queixada Tião Silva, reafirma a importância da ação.
“Em qualquer localidade periférica, temos os nomes de ruas atribuídos às famílias de maior poder aquisitivo. Aqui, temos os Peccicacco, os Sílvio de Campos: famílias que não representam grande parte da população”, conta.
“Quando você coloca o nome de um operário em uma rua você está abrindo caminhos para as pessoas conhecerem essa parte da história e terem acesso a essas memórias. Estamos colocando o nome do povo nas ruas. Porque a rua é do povo. Quando a gente se identifica, a gente se empodera”.
Embora o movimento social e cultural venha há mais de 30 anos reavivando essas memórias, Sheila explica que o processo ainda possui muitos desafios, como, por exemplo, ouvir mais histórias além das que já foram contadas.
“Eu acho que, mais do que nunca, temos que usar o exemplo dos Queixadas e andar em bando pra conquistar algumas coisas. Com ações assim conseguimos mostrar a União e Firmeza Permanente dos Queixadas, para que as gerações futuras consigam entender que não foi só uma greve, mas um legado. Os Queixadas eram muito além do tempo deles. E os aprendizados que ficam pra gente”, diz Sheila Moreira, jornalista e integrante do Centro de Memória Queixadas.
Além de estar nas principais ruas de Perus, durante todo o mês as placas de ruas também estarão no perfil do Centro de Memória no Instagram, com detalhes sobre a história de cada um.
Fonte: Nós Mulheres da Periferia